quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Consumoterapia



Atire a primeira pedra quem nunca afogou as mágoas ou celebrou uma vitória se dando um presente, em geral, algo desnecessário, quase inútil. Comprar é o esporte predileto do planeta. “Quando começou a comprar almas, o diabo inventou a sociedade de consumo”, zombava o jornalista Millôr Fernandes a respeito do consumismo exacerbado.
A revista Mad Magazine resumiu numa frase de um artigo recente a atitude dos americanos: “A única razão por que uma família de classe média não possui um elefante em seu quintal é porque esse ‘produto’ nunca foi ofertado nos supermercados numa promoção vantajosa”.
Piadas à parte, o maior problema é quando se busca aí a solução para angústias. “Comprar não resolve questões da alma”, analisa Beth Furtado. Mas consumir acabou virando sinônimo de prazer, concorda Vera Rita de Mello Ferreira, professora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), que estuda o comportamento dos indivíduos na sociedade do consumo. “Diante das frustrações, a gente se socorre num vestido novo, apostando que ele possa aliviar nossas dores. Ao não encontrar aí a felicidade, vem um desapontamento maior.”Vestidinho, tela plana, viagens, comida – varia o objeto, mas fontes de satisfação provisória podem se tornar um vício. O remédio? Uma trabalhosa dose de autoconhecimento que dissolva essa ilusória busca de alívio.
VAI VIRAR
A desaceleração econômica, o arrocho do crédito, o desemprego, o mercado em queda... Uma ala significativa dos analistas concorda que do prejuízo sempre se pode obter lucro. Eles põem fé de que todas essas perspectivas que toldam o horizonte representam oportunidades. E trazem a reboque um consumo mais consciente. Na França, por exemplo, intelectuais como o sociólogo Gilees Lipovetsky estão saudando a recessão no setor de artigos de luxo, que, para eles, perverteu a cultura nacional. Outros estudiosos fazem coro: quando o mercado financeiro está bombando, as pessoas não têm pudor em ostentar e o dinheiro e seus delírios tomam conta da cena. Comprar se apresenta como alicerce para uma falsa segurança. Quando o orçamento aperta, somos obrigados a olhar para outros aspectos da vida.
Para a psicanalista Vera Rita, autora do livro Psicologia Econômica – Estudo do Comportamento Econômico e da Tomada de Decisão (editora Campus/ Elsevier), tais problemas podem conter uma força agregadora. “É a chance de rever conceitos com que convivemos há décadas como se fossem naturais e inevitáveis. A estabilidade causa acomodação e engessa o pensamento. Perdemos a capacidade de olhar por outras perspectivas”, diz ela. Nem os otimistas se atrevem, no entanto, a apostar que a vida vai ficar fácil. O que faz brilhar os olhos da psicanalista é a incrível criatividade que seremos obrigados a descobrir: “A mente só se desenvolve sob pressão”, insiste Vera, e comemora antecipadamente o fim da inércia. Outras fontes de satisfação já despontam no horizonte: o ser humano vai se alimentar, por exemplo, da energia do encontro. Dedicar mais tempo aos amigos e à família torna-se uma nova forma de consumo. Ficar em casa, em vez de sair em busca do restaurante da moda, é uma das opções de uma vida pontuada por prazeres que não implicam excessos. Surge um modelo de compra diferente: ao mesmo tempo em que se busca o preço justo, investe-se em produtos que ofereçam gratificação emocional. Vamos descobrir que viver com menos pode render uma vida mais plena. É a escolha do pouco e bom.
Não se trata da frugalidade absoluta. O consumo muda, mas os desejos continuam se multiplicando – ninguém quer adquirir um produto que dure para sempre. A variedade continua atraente. “Somos seres mutantes, especialmente as mulheres, grupo que define a compra – o feminino é efervescente, inquieto. Não há nada de errado com isso. A coisa só fica ruim quando serve de desculpa para dilapidar, desperdiçar, desvalorizar”, lembra Beth.
VOCÊ DECIDE
De um lado, fusões, aquisições, conglomerados trabalhando em grande escala para atender àquela parcela da população que ainda está carente de tudo e apenas se inicia nos confortos que o consumo propicia. De outro, a segmentação em nichos, num estilo de marketing mais barato, que acontece via internet e está focado nos desejos e necessidades de cada um dos incontáveis tipos de consumidor. É o conceito da cauda longa, criada em 2004 pelo jornalista Chris Anderson, editor-chefe da revista americana Wired. A produção de massa cede espaço para o que chamamos de customização massificada, pois as pessoas querem ser singulares apesar de o mundo estar cada vez mais plural.
Por Duda Ramos - Revista Bons Fluidos

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